GILBERTO ANDRADE
Advogado




Artigo

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – ASPECTOS PRÁTICOS CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

 

1.- Introdução

 

 

O presente estudo sobre a Desconsideração da Personalidade Jurídica, além de passar, rapidamente, pelos conceitos de personalidade, distinção das personalidades das pessoas jurídicas e naturais, seus requisitos e tipos, entre outros, tem como foco a análise do referido instituto à luz das decisões emanadas pelo Superior Tribunal de Justiça, que tem como sua função primeira a uniformização da interpretação de toda a legislação federal brasileira.

 

Neste contexto, o que se objetiva trazer para o presente trabalho, de forma resumida, é aliar ao lado acadêmico do tema o seu rico aspecto prático, mediante a análise de alguns dos posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça.

 

 

2.- Da Personalidade

 

 

Antes de entrarmos no tema da Desconsideração da Personalidade Jurídica, necessário se faz trazermos para o presente trabalho o conceito sobre a personalidade.

 

O artigo 1°, do Código Civil Brasileiro diz:

 

Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

Nas palavras de Pontes de Miranda (1970, Parágrafo 47):

 

O ser pessoa é fato jurídico: com o nasci­mento, o ser humano entra no mundo jurídico, como elemento de suporte fático em que o nascer é o núcleo. Esse fato jurídico tem a sua irradiação de eficácia. A civilização contemporânea assegu­rou aos que nela nasceram o serem pessoas e ter o fato jurídico do nascimento efeitos da mais alta significação. Outros direitos, porém, surgem de outros fatos jurídicos em cujos suportes fáticos a pessoa se introduziu e em tais direitos ela se faz sujeito de direito. A personalidade é a possibilidade de se encaixar em supor­tes fáticos, que, pela incidência das regras jurídicas, se tornem fatos jurídicos; portanto, a possibilidade de ser sujeito de direito.” (grifo nosso)

 

E continua:

 

Pessoa é o titular do direito, o sujeito de direito. Personalidade é a capacidade de ser titular de direitos, pretensões, ações e exceções e também de ser sujeito (passivo) de deveres, obrigações, ações e exceções. Capacidade de direito e personali­dade são o mesmo.” (grifo nosso)  (1970, Parágrafo 48)

 

Nas palavras de Maria Helena Diniz (2008, p. 33):

 

... a essa aptidão, oriunda da personalidade para adquirir direitos e assumir deveres na vida civil, dá-se o nome de capacidade gozo ou de direito. A capacidade de direito não pode ser recusada ao indivíduo, sob pena de se negar sua qualidade de pessoa, despindo-o dos atributos da personalidade.

 

 

 

 

3.- Da Pessoa Jurídica e a sua distinção em relação à Pessoa Física

 

 

Porém, não é somente o ser humano que tem a aptidão para ser titular de direitos e deveres, ou seja, ter personalidade, “... tais entidades, para se não confundirem com as pessoas-homens, dá-se o nome de pessoas jurídicas, ou morais, ou fictícias, ou fingidas. Em ver­dade, de modo nenhum se fingem: a personalidade jurídica é atribuída pelo direito; é o sistema jurídico que determina quais são os entes que se têm por pessoas. Nem sempre todos os homens foram pessoas, no sentido jurídico: os escravos não eram pessoas; e sistemas jurídicos houve que não reputavam pessoas as mulheres. Foi a evolução social que impôs o princípio da personalidade de todos os entes humanos. Por outro lado, para que haja pessoa jurídica, no sentido de pessoa que não é ente humano (pessoa natural, pessoa física), é sempre preciso que haja elemento huma­no, que sirva de dado fático,...(grifo nosso) (Miranda, 1970, parágrafo 48)

 

O artigo 44 do Código Civil de 2002 diz quem são as pessoas jurídicas de direito privado:

 

I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações; IV – as organizações; e V – os partidos políticos.

 

Sobre o referido artigo o Enunciado n° 144 do Conselho da Justiça Federal, traz:

 

Art. 44: A relação das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44, incs. I a V, do Código Civil não é exaustiva.”

 

Nesse contexto, outras pessoas que são dotadas de personalidade jurídica de direito privado: a empresa pública, sociedade de economia mista e o consórcio público.

 

Assim, “O nascimento da pessoa física e a atribuição da personalidade jurídica são, pois, suportes fáticos, sobre que incidiu regra jurídi­ca, tornando-se fatos jurídicos. Portanto, aquela possibilidade ló­gica de ser sujeito de direito também entra no mundo jurídico e se torna possibilidade jurídica.” (grifo nosso) (Miranda, 1970, Parágrafo 81)

 

Maria Helena Diniz (2008, p, 81) traz o conceito de Pessoa Jurídica:

 

A pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios que visa à obtenção de certas finalidades, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações.

 

O artigo 20 do Código Civil de 1916 afirmava que “As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.

 

Para Pontes de Miranda (1970, parágrafo 83): “Não se trata, a, rigor, de regra jurídica. Apenas, tautologi­camente se enuncia que as pessoas jurídicas têm capacidade de direito, que as pessoas jurídicas são pessoas. Além disso, as pes­soas jurídicas, ainda que tratem com os seus membros, se a lei e o ato constitutivo não lhes veda tais negócios jurídicos, ficam como pessoas diante das pessoas dos seus membros. Aquele que lhe compra, ou vende alguma coisa, ainda que assine por ela, como seu representante ou órgão, não faz contrato consigo mes­mo. (grifo nosso), o que fundamenta a ausência de dispositivo similar no Código Civil de 2002.

 

Desta forma, fica claro que a Pessoa Jurídica detentora de personalidade, ou seja, com aptidão para ser titular de direitos e deveres, é pessoa distinta daquelas pessoas (humanas ou não) que são seus membros.

 

Feita essa distinção, passamos ao tema da desconsideração da personalidade jurídica, propriamente dita.

4.- Breve Histórico e Conceito da Desconsideração da Personalidade Jurídica

 

 

Para um melhor entendimento do tema proposto, trago para o presente trabalho transcrição do breve histórico do surgimento do referido instituto, extraído do REsp n° 1.141.447 – SP, onde foi relator o Ministro Sidnei Beneti:

 

O instituto surgiu na jurisprudência do Direito Anglo-americano e possui data certa de nascimento em 1909, na decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos, US - Bank of United States v. Deveaux (Acórdão redigido pelo legendário juiz JOHN MARSHALL, presidente da Corte (seguindo o sistema de que, se o Presidente da Corte Suprema compõe a maioria, é ele, geralmente, designado Relator – o que nada tem que ver com o sistema brasileiro de sorteio prévio de Relator, bem podendo ocorrer, no sistema da US Supreme Court, que o condutor das idéias tenha sido outro Juiz, que não o redator do julgamento)..

Segue-se, do outro lado do Atlântico, mas ainda no Common Law, em 1867, no Reino Unido, a decisão Salomon v. Salomon & Co (Relator Lord MACNAUGHTEN, voto vencedor de Lord HALISBURY.). Observação certeira de eminente doutrinador assinala que a doutrina da desconsideração é produto típico do método indutivo, que nutre o Common Law (MARÇAL JUSTEN FILHO, "Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro”, S. Paulo, Revista dos Tribunais, 1987, p. 9), ou seja: provém de sentido contrário ao resultante do método dedutivo do “Civil Law”, fundado no silogismo, em que se parte de uma norma ou princípio para depois se chegar ao caso, pois, pelo método indutivo, examinam-se os julgamentos de casos semelhantes e deles se extrai a norma ou princípio de regência. O instituto transmigra para o “Civil Law” por intermédio das obras de MAURICE WORMSER, PIERO VERRUCOLI e ROLF SERICK (este último adaptando definitivamente ao instituto ao “Civil Law”).

(...)

No Brasil, o instituto foi formalmente apresentado no âmbito do Direito Comercial, em memorável Aula Magna de RUBENS REQUIÃO (RUBENS REQUIÃO, “Abuso de direito e Fraude através da Personalidade Jurídica”, em Rev. Trib., São Paulo, vol. 477, jul. 1975, p. 12-27).

 

A partir daí se consolidou a tese da Desconsideração da Personalidade Jurídica na doutrina e jurisprudência brasileira, que acabou por influenciar nosso legislador que fez constar tal instituto no texto legal.

 

Nesse momento, necessário se faz trazer algumas conceituações acerca do estudo em questão:

 

A desconsideração da personalidade jurídica pode ser entendida como a superação temporária da autonomia patrimonial da pessoa jurídica com o intuito de, mediante a constrição do patrimônio de seus sócios ou administradores, possibilitar o adimplemento de dívidas assumidas pela sociedade.” (REsp n° 970.635, Relatora Ministra Nancy Andrighi)

 

A desconsideração da personalidade jurídica pode ser entendida como o afastamento episódico da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, com o intuito de, mediante a constrição do patrimônio de seus sócios ou administradores, possibilitar o adimplemento de dívidas assumidas pela sociedade.” (REsp. n° 948.117, Relatora Ministra Nancy Adrighi)

 

Pode-se conceituar desconsideração da pessoa jurídica como instituto pelo qual se ignora a existência da pessoa jurídica para responsabilizar seus integrantes pelas conseqüências de relações jurídicas que a envolvam. É o contrário da noção de separação da personalidade da pessoa jurídica da personalidade das pessoas físicas que a integram, de modo que significa verdadeira anulação do princípio secular “societas distat a singulis”.

Desconsiderar significa não conhecer, isto é, operação lógico-psíquica de bloqueio de algo existente na realidade objetiva, de modo a impedir que ingresse na mente no momento do conhecimento – isolamento de parte do real no objeto cognoscível, ou, em poucas palavras, fingir que não existe.

Curioso o mecanismo da desconsideração da pessoa jurídica. É um sutil mecanismo jurídico de contra-ficção, ou de desficção, pois, mediante ficção jurídica, nulifica-se, finge-se não existente uma ficção jurídica anterior, que é a própria pessoa jurídica.” (Aspectos Polêmicos e Atuais sobre os Terceiros no Processo Civil, Org. Fredie Didier Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier, ed. Revista dos Tribunais – tirado do REsp. n° 1.141.447, Relator Ministro Sidnei Benetti)

 

A Desconsideração da Personalidade Jurídica é aplicada em diversos ramos do direito, como por exemplo, no Direito Tributário, Direito do Trabalho e o Direito Ambiental, porém, vamos restringir o presente estudo ao Direito Civil e Direito do Consumidor.

 

O Código do Consumidor, Lei n° 8078 de 11 de setembro de 1990, expressamente adota o tema em estudo no “caput” do seu artigo 28, o qual transcrevemos:

 

O Juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatuto ou contrato social. A desconsideração também será efetiva quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.” (grifo nosso)

 

O Código Civil de 1916 não trazia dispositivo sobre o tema, já o Código Civil de 2002 trouxe inserido em seu texto o instituto em estudo, conforme se pode verificar pelo “caput” do artigo 50, que passamos a transcrever:

 

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” (grifo nosso)

 

Assim, não há dúvidas que no Brasil, atualmente, vigora a desconsideração da personalidade jurídica, com respaldo na doutrina, jurisprudência e na lei, onde se adotou, como principais teorias, para a incidência de seus pressupostos, a Teoria Maior e a Teoria Menor, as quais passamos a apresentar.

 

 

5.- Da Teoria Maior

 

 

A regra geral adotada pelo nosso ordenamento jurídico, no tocante à desconsideração da personalidade jurídica, é aquela que consta do artigo 50, do Código Civil de 2002, supra transcrito, chamada de Teoria Maior da Desconsideração.

 

Para a Teoria Maior da Desconsideração não basta que a Pessoa Jurídica esteja insolvente e, portanto, impossibilitada financeiramente de cumprir com suas obrigações perante seus credores.

 

Para que se configure a Desconsideração da Personalidade Jurídica, com fundamento na Teoria em tela, ao lado da demonstração da insolvência da Pessoa Jurídica, deverá figurar adicionalmente ou o elemento subjetivo (desvio de finalidade) ou o elemento objetivo (confusão patrimonial).

Assim, verificado o desvio de finalidade, caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, teria lugar a Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração, ao passo que, caracterizada a confusão patrimonial, evidenciada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios, aplicável seria a Teoria Maior Objetiva da Desconsideração.” (grifo nosso) (STJ - REsp. n° 970.635 – SP – Terceira Turma – Relatoria Ministra Nancy Andrighi, VU., julg. 10/11/2009.)

 

Exatamente com fundamento na Teoria Maior é que o Acórdão supra mencionado acabou por afastar a desconsideração da personalidade jurídica anteriormente aplicada, conforme transcrição do mesmo:

 

Na presente hipótese, os motivos que deram ensejo à desconsideração da personalidade jurídica determinada pelo TJ/SP foram a aparente insolvência da recorrente e o fato de ela não mais exercer suas atividades no endereço em que estava sediada. Contudo, não demonstrada a confusão patrimonial nem o desvio de finalidade, não merece prosperar o entendimento adotado no acórdão, sendo de rigor, portanto, o afastamento da desconsideração da personalidade jurídica da recorrente.” (grifo nosso).

 

No mesmo sentido é o enunciado 146 do Conselho da Justiça Federal:

 

Art. 50: Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial)” (grifo nosso)

 

 

 

 

 

 

6.-  Da Teoria Menor

 

 

A Teoria Menor é a exceção da regra geral anteriormente explanada chamada de Teoria Maior da Desconsideração.

 

Essa excepcionalidade é verificada no nosso ordenamento jurídico, a exemplo do Direito Consumerista e o Ambiental, pois o legislador entendeu que nesses casos o direito a ser tutelado merece tratamento especial, não incidindo, portanto, a regra geral, ditada pelo Código Civil.

 

Como já dito o presente estudo se focará nos temas constantes do Direito Civil e do Consumidor, assim, no caso passemos às análises da Teoria Menor aplicada no Código de Defesa do Consumidor.

 

O Código de Defesa do Consumidor traz no parágrafo 5°, do seu artigo 28:

 

Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

 

Perceba-se que o dispositivo legal supra traz como possibilidade para a desconsideração da personalidade jurídica o simples “obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”.

 

A aplicação da Teoria Menor não é unânime no Superior Tribunal de Justiça, no âmbito da legislação consumerista, mas tem se mostrado o entendimento majoritário.

 

Temos como principais pontos que fundamentam a não aplicação da referida teoria:

a) o desafio da personalidade distinta da Pessoa Jurídica e de seus sócios só deve ser aplicado restritivamente;

 

b) conforme base histórica, a Desconsideração da Personalidade Jurídica tem fundamento na manipulação da autonomia das pessoas jurídicas, ou seja, na realização de fraude contra credores e por isso, não existindo tal requisito, a mesma não deve ser aplicada;

 

c) o “caput” do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, atendendo ao histórico que deu ensejo ao instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, traz os casos em que deverá ser aplicado tal instituto, tendo como pano de fundo o seu abuso ou manipulação com o intuito de fraudar credores;

 

d) em que pese a existência do parágrafo 5°, do artigo 28, em estudo, a vigência do mesmo se deu por conta de um erro do veto presidencial, já que tal veto acabou por atingir o parágrafo 1°, do referido artigo, quando seu objetivo seria o próprio parágrafo 5°, o que se depreende dos motivos que justificaram o referido veto; e

 

e) analisando o inteiro teor do artigo 28, em tela, conjuntamente com seus parágrafos, conforme a melhor técnica de redação legislativa, os parágrafos devem ser lidos de forma a serem subordinados aos limites do seu “caput”, assim, os parágrafos não tem autonomia.

 

Já, para aqueles que entendem que deve prevalecer a Teoria Menor na aplicação do Direito do Consumidor, os principais fundamentos são os seguintes:

 

a) a Constituição Federal determina tratamento diferenciado, em benefício do consumidor, conforme se verifica pelo inciso XXXII, do artigo 5° e do inciso V, do artigo 170, portanto, o parágrafo 5°, do artigo 28, da Lei n° 8.078/90, dá efetividade às referidas determinações constitucionais;

 

b) em que pese, não se tenha a melhor técnica redacional legislativa para o parágrafo 5° em relação ao seu “caput”, do artigo 28 em tela, o mesmo é iniciado com a expressão “Também poderá...”, de forma que, mesmo não ocorrendo as hipóteses elencados pelo “caput” do referido artigo, pode ser aplicada a Desconsideração da Personalidade Jurídica nos casos em que a personalidade jurídica constituir obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos dos consumidores; e

 

c) que tal autonomia entre o parágrafo 5° e o “caput” do artigo 28, faz com que o possa ser aplicado o instituto em estudo pela ocorrência das hipóteses do “caput” ou pelas do parágrafo em tela, criando-se nova hipótese legal para o caso, visto que se assim não fosse, se estaria retirando toda a eficácia da norma contida no referido parágrafo, o que “não se compadece com o nosso sistema de direito positivado, no qual a lei vale por aquilo que está escrito. Daí presumir-se que o legislador não insere no texto palavras inúteis.” (Conforme voto do Ministro Castro Filho, no REsp n° 279.273-SP , pag, 83).

 

Os argumentos supra foram tirados do Julgamento do Recurso Especial n° 279.273 – SP, do Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, vencidos os Ministros Ari Pargendler (Relator) e Ministro Carlos Alberto Menezes Direito e vencedores a Ministra Nancy Andrighi (que lavrou o Acórdão), Ministro Castro Filho e o Ministro Antônio Pádua Ribeiro, julgado em 04 de dezembro de 2004, cuja integra do V. Acórdão não integrará o referido trabalho, pois conta com 86 laudas, mas que se recomenta a leitura frente às lições que podem ser tiradas do mesmo.

 

Mesmo assim, apresenta-se parte da ementa do supra mencionado Acórdão:

 

Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração.

Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º.

(...)

- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.

- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

- Recursos especiais não conhecidos.” (grifo nosso)

 

O Enunciado 51 do Conselho da Justiça Federal, traz o seguinte:

Art. 50: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.

 

7.- Da Desconsideração da Personalidade Jurídica e o Reconhecimento de Grupo Econômico

 

A criação de Grupos Econômicos, ou seja, diversas empresas que atuam em conjunto e que tem como sócios as mesmas pessoas, é prática comum no meio empresarial.

 

Porém, muitas vezes fica clara a existência de confusão patrimonial na administração dessas empresas, o que tem se mostrado condição suficiente para que, com a Desconsideração da Personalidade Jurídica, com foco na teoria maior, uma empresa responda por dívidas de outras.

 

Neste sentido:

RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. PROCESSO CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECONHECIMENTO DE GRUPO ECONÔMICO. REVISÃO DOS FATOS AUTORIZADORES. SÚMULA N° 7/STJ. NULIDADE POR FALTA DE CITAÇÃO AFASTADA. EFETIVO PREJUÍZO PARA A DEFESA NÃO VERIFICADO. OFENSA À COISA JULGADA INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. SÚMULA N° 98/STJ.

1. Reconhecido o grupo econômico e verificada confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para responder por dívidas de outra, inclusive em cumprimento de sentença, sem ofensa à coisa julgada. Rever a conclusão no caso dos autos é inviável por incidir a Súmula n° 7/STJ.” (grifo nosso) (STJ, REsp n° 1.253.383 - MT, Terceira Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, V.U., julg. 12/06/2012).

 

Para alguns, ainda, a formação de grupo de empresas acaba se justificando mais como um artifício para impedir ou dificultar o cumprimento de suas dívidas, configurando-se, na prática, a formação de grupo econômico com finalidade ilícita, já que seu objetivo principal é livrar o patrimônio das demais empresas ou sócios ameaçados por débitos.

 

Neste sentido:

 

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SÚMULA 284/STF. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS DA CF. INVIABILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF. ATUAÇÃO DO MAGISTRADO. LEGALIDADE. GRUPO ECONÔMICO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182 DO STJ. RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DA DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF.

...

3. Da análise dos autos, o Tribunal de origem reconheceu que o magistrado não agiu de ofício, e que era legítima a desconsideração da personalidade jurídica, visto os indícios de grupo econômico com finalidade ilícita. A revisão do entendimento firmado demandaria reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ.” (grifo nosso) (STJ, AgRg no Agravo em REsp n° 244.325 - SC, Segunda Turma, Relator Ministro Humberto Martins, V.U., julg. 07/02/2013).

 

 

 

8.- Desconsideração da Personalidade Jurídica na Modalidade Inversa

 

 

Com a Desconsideração da Personalidade Jurídica aquelas pessoas que perpetravam fraudes em nome da sociedade, transferindo o patrimônio da empresa para a sua pessoa, por exemplo, tentando se valer do manto da personalidade distinta, acabaram por não ver mais uma opção nessa prática.

 

Porém, muitos inverteram referido processo, com o mesmo ânimo, ocultar seus bens de terceiros, só que desta vez, esvaziavam seu próprio patrimônio, transferindo-o para o ente societário, também tentando se valer da distinção das referidas personalidades.

 

Para o processo de se desconsiderar a personalidade jurídica, com a finalidade de buscar patrimônio na sociedade, por conta de obrigações pessoais do sócio, se dá o nome de Desconsideração da Personalidade Jurídica Inversa.

 

Saliente-se que apesar da operação se dar de forma inversa, o seu fundamento legal continua sendo amparado nos termos do artigo 50, do Código Civil de 2002.

 

Nesse sentido:

 

Conquanto a consequência de sua aplicação seja inversa, sua razão de ser é a mesma da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita: combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. Em sua forma inversa, mostra-se como um instrumento hábil para combater a prática de transferência de bens para a pessoa jurídica sobre o qual o devedor detém controle, evitando com isso a excussão de seu patrimônio pessoal.

A interpretação literal do art. 50 do CC/02, de que esse preceito de lei somente serviria para atingir bens dos sócios em razão de dívidas da sociedade e não o inverso, não deve prevalecer. Há de se realizar uma exegese teleológica, finalística desse dispositivo, perquirindo os reais objetivos vislumbrados pelo legislador.

Assim procedendo, verifica-se que a finalidade maior da disregard doctrine , contida no referido preceito legal, é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. A utilização indevida da personalidade jurídica da empresa pode, outrossim, compreender tanto a hipótese de o sócio esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica para fraudar terceiros, quanto no caso de ele esvaziar o seu patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integralizar na pessoa jurídica, ou seja, transferir seus bens ao ente societário, de modo a ocultá-los de terceiros.”(grifo nosso) (STJ, REsp n° 948.117 – MS, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, V.U., julg. 22/06/2010).

 

E mais a frente o Acórdão supra ensina que a Desconsideração da Personalidade Jurídica na modalidade Inversa não pode ser aplicada para responsabilizar a empresa por dívidas de sócio com participação mínima naquele patrimônio social:

 

... não se pode olvidar que o sentido operativo da teoria da desconsideração está intimamente ligado com o fomento à atividade econômica, porquanto o ente societário representa importante gerador de riquezas sociais e empregos. Se por um lado a distinção entre a responsabilidade da sociedade e de seus integrantes serve de estímulo à criação de novas empresas, por outro visa também preservar a pessoa jurídica e a manutenção de seu fim social, que seria fadada ao insucesso se fosse permitido, descriteriosamente, responsabilizá-la por dívidas de qualquer sócio, ainda que titular de uma parcela ínfima de quotas sociais. Por óbvio, somente em situações excepcionais em que o sócio controlador se vale da pessoa jurídica para ocultar bens pessoais em prejuízo de terceiros é que se deve admitir a desconsideração inversa.(negrito nosso)

 

Assim, se manifestou o Conselho da Justiça Federal, sobre o tema, conforme seu enunciado n° 283:

 

Art. 50: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

 

 

9.- Da Diferença entre a Desconsideração da Personalidade Jurídica e a Responsabilidade do Sócio Devido ao Contrato Societário ou Estatuto Social

 

 

O foco do presente trabalho está na Desconsideração da Personalidade Jurídica, porém, é importante distingui-la da responsabilidade do Sócio, em relação, aos atos que pratica em nome da sociedade.

 

Para não se estender no tema, sem deixar de aprecia-lo, mesmo que sucintamente, apresentamos o quanto segue:

 

A responsabilidade decorrente da desconsideração da pessoa jurídica, apresse-se em salientar, nada tem que ver com a responsabilidade comercial ou civil do sócio, conseqüente à modalidade societária de que participe, ou de negócios jurídicos que, em função dos negócios da personalidade jurídica, pratique, como a dada de aval, fiança ou conferência de bens. Diante da existência de uma sociedade comercial, surgem algumas ordens de responsabilidade civil e comercial, como: 1o) Responsabilidade societária externa, de origem societária, comprometendo: a) Responsabilidade quanto ao patrimônio afetado à sociedade, determinada pela espécie societária; b) Responsabilidade subsidiária por atos de gestão societária (o fato da gestão); 2º) Responsabilidade extra-societária: a) Solidariedade com a sociedade (ato ilícito comum); b) Responsabilidade contratual solidária: fiança, aval, caução). Essas modalidades de responsabilidade são imediatamente decorrentes da participação em pessoa jurídica. São responsabilidade direta, decorrente, por exemplo, da condição de sócio a arriscar patrimônio, ou de gerente ou diretor pelos atos de administração. No caso da responsabilidade decorrente da desconsideração da pessoa jurídica, trata-se de responsabilidade subsidiária, a exemplo do que ocorria com as sociedades em nome coletivo do Código Comercial de 1850 (É onde se chega, inferindo-se da exposição de TERESA CRISTINA G. PANTOJA (ob. cit., p. 91).” (STJ – REsp n° 1.141.447 – SP, Terceira Turma, Relator Ministro Sidnei Benetti, V.U., Julg. 08 /02/2011) (grifo nosso)

 

No mesmo sentido:

Não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e administradores da sociedade falida (art. 6º do Decreto-lei n.º 7.661/45 e art. 82 da Lei n.º 11.101/05) com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Na primeira, não há um sujeito oculto, ao contrário, é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios deveres de sócio/administrador, ao passo que na segunda, supera-se a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos. Ou seja, a ação de responsabilização societária, em regra, é medida que visa ao ressarcimento da sociedade por atos próprios dos sócios/administradores, ao passo que a desconsideração visa ao ressarcimento de credores por atos da sociedade, em benefício da pessoa oculta.” (grifo nosso) (STJ – REsp n° 1.180.191 – RJ, Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, V.U., julg. 05/04/2011)

 

E para não deixar dúvidas o enunciado 229, do Conselho da Justiça Federal é claro:

Art. 1.080: A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta.

 

10.- Com a Desconsideração da Personalidade Jurídica a Responsabilidade não está Limitada às Quotas Sociais

 

 

Foi alvo de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça controvérsia onde se discutiu se a responsabilidade do sócio, após levantada a personalidade jurídica da autônoma da empresa, estaria limitada à suas quotas sociais, sendo que a questão restou negativa, conforme fundamentos que passamos a transcrever:

 

Isso porque, a partir da desconsideração da personalidade jurídica, a execução segue em direção aos bens dos sócios, tal qual previsto expressamente pela parte final do próprio art. 50 do Código Civil, in verbis: "(...) pode o Juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica".(grifo)

Como se vê, não há, no referido dispositivo, qualquer restrição acerca da execução, contra os sócios, ser limitada às suas respectivas quotas sociais. E nessa hipótese, essa exegese amolda-se ao vetusto brocardo latino "ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet", ou seja, onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo.

E mais, o art. 591 do Código de Processo Civil é claro ao estabelecer que os devedores respondem com todos os bens presentes e futuros no cumprimento de suas obrigações. É, pois, sua redação, in verbis: "Art. 591. O devedor responde, para cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei."

De qualquer sorte, admitir que a execução esteja limitada às quotas sociais revelar-se-ia temerária e indevida desestabilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que vem há tempos conquistando espaço e sendo moldado às características de nosso ordenamento jurídico.” (grifo nosso) (STJ – REsp n° 1.169.175 – DF, Terceira Turma, Relator Ministro Massami Uyeda, VU., 17/02/2011)

 

11.- Desnecessário o ajuizamento de Ação Autônoma para requerer a Desconsideração da Personalidade Jurídica

 

O Superior Tribunal de Justiça tem decidido, reiteradamente, ser possível a determinação de Desconsideração da Personalidade Jurídica nos próprios autos, conforme se pode verificar de parte da Ementa que transcrevemos a seguir:

 

Esta Corte Superior tem decidido pela possibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica nos próprios autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma (RMS nº 16.274/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ de 2.8.2004; AgRg no REsp nº 798.095/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, DJ de 1.8.2006; REsp nº 767.021/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ de 12.9.2005).” (grifo nosso) (STJ – REsp n° 331.478 – RJ, Quarta Turma, Relator Ministro Jorge Scartezzini, V.U., 24/10/2006)

 

No mesmo sentido, destaca-se da ementa abaixo:

 

5. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos da falência, nos termos da jurisprudência sedimentada do STJ.” (grifo nosso) (STJ – REsp n° 1.180.191 – RJ, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, V.U., julg. 05/04/2011)

 

 

12.- Da Inesgotabilidade ou da Perpetualidade do prazo para requerer a Desconsideração da Personalidade Jurídica

 

Há quem alegue que a Desconsideração da Personalidade Jurídica se assemelhe às Ações Revocatória Falencial ou à Ação Pauliana, o que já foi rechaçado pelo Superior Tribunal de Justiça.

 

O Tribunal se manifestou no sentido de que, seja por conta de suas justificativas, seja por conta de suas consequências, já que a Revocatória visa o reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico suspeito, e a Pauliana a invalidação de ato praticado em fraude contra credores, sendo, ambas, interditos restituitórios, que visam devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, não há que se falar em semelhanças com o instituto em estudo.

 

Por sua vez, a Desconsideração da Personalidade Jurídica, “... consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade.” (grifo nosso) (STJ – REsp n° 1.180.191 – RJ, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, V.U., julg. 05/04/2011). (grifo nosso)

 

Assim, conclui o Acórdão supra mencionado, conforme se verifica do destaque de sua ementa:

 

3. Com efeito, descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos decadenciais para o ajuizamento das ações revocatória falencial e pauliana.

4. Relativamente aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.” (grifo nosso)

 

13. – Do Interesse Recursal nos casos de Desconsideração da Personalidade Jurídica

 

Entendeu o Superior Tribunal de Justiça que quanto ocorre a Desconsideração da Personalidade Jurídica, tanto a referida empresa, quanto seus sócios, tem interesse recursal sobre a referida questão, conforme passamos demonstrar:

Com a desconsideração da pessoa jurídica, não há o desaparecimento desta do mundo jurídico, apenas se afasta o princípio da autonomia patrimonial. Dessa forma, os sócios respondem conjuntamente com a sociedade pelas dívidas desta, não se distinguindo mais o patrimônio de um e de outro.

Assim, havendo a desconsideração da personalidade jurídica, tanto a sociedade quanto os sócios têm legitimidade para recorrer do correspondente decisório.” (grifo nosso) (STJ – REsp n° 715.231 – SP, Quarta Turma, Relator Ministro João Otávio de Moronha, V.U., julg. 09/02/2010)

 

 

14.- Da Desnecessidade de Citação dos Sócios

 

Conforme se depreende da fundamentação logo a seguir, o Superior Tribunal de Justiça manifestou seu entendimento de que é desnecessária a citação dos sócios, após determinada a Desconsideração da Personalidade Jurídica:

 

Ressalte-se, ainda, que a mera citação do devedor em execução de sentença, na antiga sistemática dos arts. 736 e seguintes, ou a intimação para o pagamento da dívida, na forma prevista no art. 475-J, não lhe abre todas as vias de defesa, circunstância somente verificada depois de seguro o Juízo, mediante penhora ou depósito.

Nesse sentido, a redação do revogado art. 737 era clara: "Não são admissíveis embargos do devedor antes de seguro o juízo". Na mesma linha, preceitua o § 1º do art. 475-J: "Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias".

Somente em processo de execução de título extrajudicial, segundo a nova redação do art. 738, caput, do CPC, é que o prazo para embargar a execução flui da citação, mesmo porque, diferentemente de outrora, os embargos do devedor podem ser opostos independentemente da segurança do Juízo. Nada obstante, mesmo nesse caso, a oposição dos embargos não é em si bastante para obstar os efeitos da penhora, dada a ausência, ordinariamente, de efeito suspensivo (art. 739-A, § 6º).

Percebe-se, assim, que a citação do devedor na fase de execução do título judicial, na sistemática revogada, ou a intimação para o pagamento da condenação, na forma do art. 475-J, somente lhe permitiria pagar a dívida ou nomear ele próprio bens à penhora, providências não vedadas ao terceiro sobre quem recaiu o decisório de desconsideração da personalidade jurídica, mesmo que este tenha sido apenas intimado da constrição judicial.

E continua:

 

Também não prospera, a meu juízo, a tese segundo a qual não seria cabível, em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, a discussão acerca da validade da desconsideração da personalidade jurídica. Em realidade, se no caso concreto e no campo do direito material fosse descabida a aplicação da Disregard Doctrine, estar-se-ia diante de ilegitimidade passiva para responder pelo débito, insurgência apreciável na via da impugnação, consoante art. 475-L, inciso IV.

 

Assim, conclui, o Acórdão em questão, “... dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada a posteriori , mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade.” (grifo nosso) (STJ – REsp. n° 1.096.604 – DF, Quarta Turma, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, por maioria, julg. 02/08/2012)

 

 15.- Conclusão

 

Concluí-se que a aplicação a Desconsideração da Personalidade Jurídica foi amplamente recebida pelo nosso ordenamento jurídico, em especial, o direito civil e do consumidor, objeto do presente estudo, e quando preenchidos seus requisitos tem se mostrado um instituto de grande utilidade na prática jurídica desenvolvida no bojo do Poder Judiciário, por permitir o ressarcimento dos credores pelos atos da sociedade, em face dos seus sócios, e vice-versa, o que possibilita maior efetivação no tocante à satisfação das referidas dívidas.

 

 

Referências

 

 

Diniz, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

Pondes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, tomo I, 3ª edição. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.

 

Aguiar Júnior, Ruy Rosado de. Coordenador. Jornadas de Direito Civil I, III, IV e V: enunciados aprovados, Conselho da Justiça Federal. Brasília: Impressão Coordenadoria de Serviços Gráficos do Conselho da Justiça Federal, 2012.

 

Negrão, Theodoro. Colaborador: Gouvêa, José Roberto Ferreira Gouvêa. Código Civil e legislação civil em vigor. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 1997.

 

Grinover, Ada Pellegrini; Benjamin, Antônio Herman de Vasconcellos e; Fink, Daniel Roberto, Filomeno, José Geraldo Brito, Watanabe, Kazuo, Nery Junior, Nelson; e Danani, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 1ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

 

Moraes, Alexandre de, Organizador. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, 17ª edição, 2ª tiragem, São Paulo: Atlas, 2001

 

STJ – REsp n° 1.141.447 – SP, Terceira Turma, Relator Ministro Sidnei Benetti, V.U., Julg. 08 /02/2011

 

STJ - REsp n° 1.253.383 - MT, Terceira Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, V.U., julg. 12/06/2012

 

STJ - AgRg no Agravo em REsp n° 244.325 - SC, Segunda Turma, Relator Ministro Humberto Martins, V.U., julg. 07/02/2013

 

STJ - REsp n° 970.635 – SP, Terceira Turma – Relatora Ministra Nancy Andrighi, VU., julg. 10/11/2009

 

STJ - REsp n° 279.273 – SP, Terceira Turma, Relatora para o voto Ministra Nancy Andrighi, parcial, julg. 04/12/2004

 

STJ - REsp n° 948.117 – MS, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, V.U., julg. 22/06/2010

 

STJ – REsp n° 1.180.191 – RJ, Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão , V.U., julg. 05/04/2011

 

STJ – REsp n° 1.169.175 – DF, Terceira Turma, Relator Ministro Massami Uyeda, VU., 17/02/2011

 

STJ – REsp n° 331.478 – RJ, Quarta Turma, Relator Ministro Jorge Scartezzini, V.U., 24/10/2006

 

STJ – REsp n° 715.231 – SP, Quarta Turma, Relator Ministro João Otávio de Moronha, V.U., julg. 09/02/2010

 

 

STJ – REsp. n° 1.096.604 – DF, Quarta Turma, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, por maioria, julg. 02/08/2012